
Benjamin Abrahão, fotógrafo de Padre Cícero e de Lampião, ganha biografia
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Figura da maior importância na preservação visual da memória do cangaço – e sem o qual muitas lacunas dificultariam estudos de especialistas, historiadores, sociólogos e antropólogos que se debruçam sobre o tema – Benjamin Abrahão (1890-1938) tem sua vida e obra esmiuçadas no livro “Abrahão: entre Padre Cícero e Lampião”, que o escritor Frederico Pernambucano lança às 18h desse sábado (20/9), no Museu do Estado de Pernambuco, no bairro das Graças.
A noite de autógrafos encerra a programação do Cariri Cangaço 2025, que movimentou o Recife durante toda a semana. O autor tem mais de dez livros sobre aquele movimento social, entre eles “Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil” e “Estrelas de couro: a estética do cangaço”, que já podem ser considerados dois clássicos a respeito do tema que tanto desperta curiosidade, paixões e polêmica até hoje. A publicação é da Cepe (Companhia Editora de Pernambuco). A vida de Benjamin rende tudo que você puder imaginar: livro, filme, teatro, mini série para televisão. Sua trajetória chegou a ser abordada no filme “O Baile Perfumado”, dos cineastas Lírio Ferreira e Paulo Caldas, em 1996. Mas as muitas faces de sua história são desconhecidas pela maioria das pessoas. O próprio Frederico já tinha lhe dedicado uma outra edição, há uma década, com o título “Benjamim Abrahão: entre anjos e cangaceiros” (Escrituras Editora). No entanto, a que será lançada nesse sábado, foi revisada, ampliada, e possui 384 páginas e cerca de 90 fotografias.
A vida do personagem foi uma verdadeira aventura, que começou quando o sírio tinha ainda 15 anos de idade, e decidiu se transformar em imigrante para fugir do alistamento militar de seu país, marcado pela violência da guerra. Optou pelo Brasil, tendo desembarcado no Recife, na época um centro econômico regional. Viveria, depois, entre dois extremos, entre anjos e demônios. Primeiro, entre a religiosidade e o fanatismo observado em Juazeiro do Norte (CE), a terra do Padim Ciço. Segundo, no meio dos cangaceiros que tocavam o terror no interior do Nordeste, no início do século passado.
“Na crônica da Região mais velha do Brasil, poucas vidas riscaram de modo tão incisivo os traços duros de uma encruzilhada quanto a do imigrante Benjamim Abrahão”
No Nordeste, foi comerciante, virou secretário particular e pessoa de confiança de Padre Cícero, figura emblemática da Igreja Católica, cuja estátua até hoje atrai romeiros e penitentes de toda a região. Foi uma viagem ao município pernambucano de Arcoverde (então chamado de Rio Branco), em 1916, que mudou o rumo do estrangeiro. Após ver caminhões de romeiros seguindo para Juazeiro do Norte, ele voltou para o Recife determinado a se mudar para aquela cidade cearense, onde se transformaria em secretário particular e homem de confiança do religioso. A relação direta com o sacerdote, o levou a personagens e fatos relevantes da época: a evolução política em Juazeiro do Norte, a ditadura do Estado Novo, a passagem da Coluna Prestes pela Região, quando o Padre tentou cooptar Lampião e seus cangaceiros para lutar contra os homens liderados pelo comunista Carlos Prestes.
“Há comprovação histórica suficiente para que se possa falar da existência do convite dirigido ao chefe cangaceiro, e evidências igualmente sólidas de que o escrito teve por propósito a conversão do bando em milícia a serviço do governo federal, cumprindo-lhe desenvolver ação em harmonia com os esforços do Batalhão Patriótico de Juazeiro. Um agregado especial, dispondo de autonomia e comando próprio”
Morto o Padre Cícero, em 1938, Benjamin Abrahão – que já tinha documentado o cotidiano do sacerdote para a posteridade – decide colocar em prática seu projeto de fotografar e filmar Lampião em suas andanças pelo Nordeste, o que fez com maestria. E não foi só isso. Ele anotava em cadernetas de campo o que via e acontecia, o que ajudou na pesquisa de Frederico e outros estudiosos que se dedicam ao tema.
O fotógrafo ganhou a confiança de Lampião que era vaidoso, louco por cinema e fã dos astros de Hollywood ( e chegava a frequentar as salas escuras nas cidades do interior). Deve ter ficado feliz de ser ver nas fotografias e em filmes feitos por Benjamin. O cangaceiro chegaria a lhe dar um bilhete carimbado, atestando a condição de prestador de serviço, assegurando ser o sírio a primeira pessoa a filmá-lo. E ele filmou e documentou o cangaço como ninguém: Lampião, Maria Bonita, os exercícios de combate, a leitura de jornais pelo bandoleiro. E também, outros integrantes do grupo, como Vila Nova, José Sereno, Gorgulho, Corisco.
Seu trabalho ganhou as manchetes dos grandes jornais da época, as quais mostravam o cotidiano do bando de cangaceiros liderados por Lampião, antes inacessíveis. As fotos de Lampião, transformadas em postais, passaram a ser vendidas em feiras do interior. O autor do livro faz questão de contextualizar toda a trajetória do fotógrafo com a realidade política e social da época.
“Esse é um livro essencial para se entender o Nordeste e o cangaço do período”, diz Diogo Guedes, editor da Cepe. A vida aventureira de Abrahão acabou cedo. Foi morto com 42 punhaladas, em 7 de maio de 1938. Morreu cedo, mas pode-se dizer que teve uma vida intensa. Nos links abaixo, mais informações sobre Padre Cícero, Lampião e a herança cultural do cangaço.
Fonte: Blog OxeRecife