
Como matar seu marido: um cancioneiro sobre violência de gênero e liberdade
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Como matar seu marido, o próximo lançamento da Companhia Editora de Pernambuco, não é um manual que ensina a eliminar um cônjuge, literalmente, ao contrário do que possa sugerir o título. Nesse livro de poemas, a escritora mineira Laura Cohen Rabelo recorre ao humor e à ironia para falar de forma crítica sobre misoginia, violência de gênero e liberdade. A leitura começa com o anúncio da morte do marido, que “cai de cara no fervente da sopa” e “enfim o seu espírito deixa a casa.” É um texto para introduzir a história, dividida em duas partes.
O lançamento será realizado em 13 de junho (sexta-feira), das 19h30 às 21h, na Livraria Simples, em São Paulo. Mulheres e homens (também) ganham voz para discutir a relação em Como matar seu marido, primeiro título de Laura Cohen Rabelo publicado pela Cepe Editora. O livro tem 112 páginas, com capa e ilustrações da designer Laura Morgado. A ideia do livro surgiu quando a autora mostrou a amigas escritoras o diário que começou a escrever após se separar do marido, em 2021.
“Eu detesto escrever sobre mim mesma, acho que essa coisa confessional não sei fazer bem, diferente de várias autoras que eu gosto, que fazem isso muito bem”, afirma Laura Cohen Rabelo. A sugestão da amiga escritora Flávia Péret resolveu o impasse. “Ela disse que a poesia é um bom gênero para se esconder e isso me satisfez porque tenho dificuldade que saibam da minha vida e eu poderia mentir e inventar à vontade”, declara. Assim nasceu “Um quilo de sal”, a primeira parte do livro, com 23 poemas, e “Como matar seu marido”, a segunda parte, que dá nome à obra, com mais 20.
O manual poético de Laura Cohen foi escrito a partir das vivências da autora depois do divórcio e das conversas compartilhadas com outras mulheres sobre casamentos e separações. É uma mistura de histórias, dela, das amigas e de diálogos que ouviu no transporte público. “Sobretudo de reclamações de amigas, memórias sobre essa obrigação de que as mulheres têm de se casar, como se fosse a única coisa do mundo”, acrescenta. O “Coro dos cidadãos”, a fala masculina no livro, tem origem em comentários que ela garimpou na Internet.
“Busquei vídeos e fotos de conteúdo red pill, posts do Neymar e do Tiago Iorc (tipinho que finge ser um homem ótimo, mas é mais do mesmo); falas sobre impotência e calvície, onde os homens comentavam barbaridades e idiotices; apenas copiei, reorganizei e o poema estava pronto. Obviamente é tudo irônico, pra gente rir do ridículo desses caras”, diz ela. Como matar seu marido é o primeiro livro de poemas de Laura Cohen Rabelo, que já lançou várias zines e publicações independentes de poemas.
Ela também escreve romances e é idealizadora e coordenadora do projeto Estratégias Narrativas, onde dá oficinas de criação literária e edição desde 2013, em Belo Horizonte (MG). “Acredito, inclusive, que Como matar seu marido pode ser lido, talvez, como um romance ou uma peça de teatro. Obviamente é poesia, mas acho que se você ler na ordem, tem uma historinha acontecendo, que vai da infância até o momento de matar o marido”, observa a autora.
“A poesia de Laura Cohen Rabelo é afiada, ácida e altiva, embora trate de dores delicadas. Em Como matar seu marido, o humor e a erudição são armas de combate contra uma sociedade misógina, que segue tentando enquadrar as mulheres em narrativas limitadas. Seus poemas estabelecem diálogos com muitas tradições literárias, desde a presença do coro, das tragédias gregas, ou de uma figura mitológica como Cassandra, até o recurso estilístico da composição poética a partir de textos digitais, que tanto nos remete ao impacto legado por Angélica Freitas à poesia brasileira deste início de século”, declara Gianni Gianni, editora assistente da Cepe.
Sobre a autora - Laura Cohen Rabelo nasceu e vive em Belo Horizonte. Publicou, entre narrativas longas, contos e poemas, os romances Caruncho (Impressões de Minas, 2022) vencedor do Prêmio Academia Mineira de Letras de 2023, e Duas Línguas (Zain, 2024). É fundadora e professora no projeto Estratégias Narrativas e leciona no curso de pós-graduação em Escrita Criativa da PUC-Minas.
Entrevista com a autora
Pergunta - O livro chama a atenção para várias questões: mulheres preparadas para casar, mulheres treinadas para serem obedientes, mulheres obrigadas a serem submissas... O que você destaca nas abordagens de Como matar seu marido?
Laura Cohen Rabelo - A gente é a vida toda criada para ser submissa, mesmo estudando, trabalhando. As mulheres da minha família são super fortes, independentes, mas na minha criação e na criação de várias pessoas que conheço, das mais diversas classes, cores, credos, existe essa força quase invisível que passa de mulher pra mulher em apostar nessa submissão ao marido, nessa necessidade de ter um marido, de se provar para a sociedade como uma mulher de valor só porque o Fulano do TI te escolheu pra casar. Essa personagem que quer ser obediente vem disso. Acho que no fim do livro ela se liberta, mandando o marido tomar no cu e indo embora. Acho super importante a gente rir dessa coitada que toda mulher um dia é ou foi. Rir desse ridículo que é a gente abandonar nosso desejo para servir ao desejo de um homem. A gente, se quiser, tem que ser parceira e ter um parceiro de volta.
Pergunta - A obra é dedicada às divorciadas e àquelas que ainda não conseguiram se libertar. A quem você sugere a leitura do livro?
Laura Cohen Rabelo - Olha, se a pessoa se interessar pelo título do manual "Como matar seu marido", está valendo. É realmente um manual poético para dar força pra gente, pra gente entender que casamento não é tudo na vida de uma mulher e que o divórcio é possível, apesar de difícil, e pode libertar uma pessoa para conhecer, inventar e seguir o próprio desejo. Acho muito legal a união de um bonde de divorciadas, minhas amigas me salvam todos os dias. Gosto muito da ideia de que a literatura seria uma espécie de vacina de emoções. Quando você lê um livro sobre separação, por exemplo, esse livro pode te dar repertório emocional para se separar melhor, ou para pensar melhor se você quer ou não permanecer numa relação. O riso é um bom remédio. Minhas amigas que se separaram depois de mim às vezes vêm conversar comigo e eu sempre brinco "será que a gente vai precisar matar?".
Pergunta - Como você imagina a recepção do livro entre o público masculino?
Laura Cohen Rabelo - AHAHAHAH!!! Acho que a gente consegue melhorar como ser humano através do riso. Espero que eles consigam.
Pergunta - Além de Lady Macbeth, que outros poemas são apropriações livres?
Laura Cohen Rabelo - Como apropriação mesmo, só a Lady Macbeth do Leskov, eu copiei e reorganizei partes do livro. Poemas surgiram muito de mulheres célebres da mitologia e da literatura, tipo a terrível Lady Macbeth (de Shakespeare ou Leskov), ou a Judite, que é ótima, considerada uma estrela na história judaica, ao usar seus "poderes femininos" para seduzir e matar um homem que oprimia seu povo. Juditha Triumphans vem da peça do Vivaldi e das pinturas do seu justiçamento, a Cassandra é a mulher injustiçada pelos deuses, a mulher ignorada. Tem também o minotauro, que se alimentava de virgens... sempre as pobres das virgens, sem direito a uma vida.
Trechos do livro
“digo a vós sou abençoada/ pela grandeza do meu marido/ ele me deixa sair de casa/ ele não me bate com pau comprido/ até trabalhar eu trabalho/ em agradecimento meu salário/ é dado a ele que cuida/ sem se entregar a labutas/ das contas dos jogos/das jantas e das putas”
“eu não vou mais te incomodar/ posso comer na manjedoura das vacas/ ciscar com as galinhas beber na vasilha/ dos gatos ou ainda passar fome”
“essa questão da grana/ pesa bastante infelizmente/ um homem sem grana/ é um cara sem valor/ e ser dependente de alguém/ às vezes fode com o emocional”
“caralho cara é mais fácil aprender/ física quântica e nuclear do que/ se adequar às regras das mulheres”
Serviço
O que: Lançamento de Como matar seu marido
Quando: 13/06 (sexta-feira)
Hora: 19h30 às 21h
Onde: Livraria Simples, Rua Rocha, 259, Bela Vista, São Paulo (SP)
Preço: R$ 50 (impresso)
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