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História: Revolução de 30 e tragédia de três homens que se chamavam João

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Um assunto que já rendeu filme – Parahyba, Mulher Macho (de Tizuka Yamazaki) – teses acadêmicas, livros de história, sede de vingança e muitas versões (inclusive a de que teria sido deflagrada também por uma questão passional) – a Revolução de 1930 está de volta à ordem do dia. Dessa vez é a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), que  lança Três homens chamados João – Uma tragédia em 1930, livro escrito por Ana Maria César, que passou quatro anos se dedicando às pesquisas tema tão marcante da nossa história, e que muito mexeu com a cabeça dos nossos pais e nossos avós.

Por que três homens chamados João? Como se sabe, João Pessoa foi assassinado naquele ano, em uma confeitaria da Rua Nova, no Recife. O assassino foi João Dantas, seu adversário político. João Dantas seria preso e posteriormente morto na Detenção do Recife, que funcionava no prédio onde hoje é a Casa da Cultura, no bairro de São José. Naquele ano, também foi morto João Suassuna, acusado de cumplicidade no homicídio do então governador da Paraíba (João Pessoa), que era candidato a vice na chapa de Getúlio Vargas, na disputa pela presidência do Brasil pela Aliança Liberal. João Suassuna era pai do escritor Ariano Suassuna. Ou seja, todos tombaram em 1930, com mortes violentas. O lançamento do livro será na quinta-feira, dia 22/10, às 17h30, no canal da Cepe no YouTube, com bate-papo entre a autora e o editor Diogo Guedes. Segundo a Cepe, a obra traz um novo foco sobre  aquele movimento revolucionário brasileiro.

Isso porque ratifica historicamente a vocação libertária de Pernambuco, que protagonizou a Revolução Pernambucana de 1817, a Convenção do Beberibe, a Confederação do Equador e a Revolução Praieira. Para escrevê-lo foram necessários quatro anos de dedicação ao tema, obedecendo  à precisão historiográfica. Na pesquisa, a autora privilegiou os jornais locais a fim de captar o entusiasmo, a comoção, o desvario do povo vivendo um novo momento.

Além da perspectiva nordestina da história, e da sacada dos três homens chamados João, um importante diferencial do livro está na riqueza da linguagem narrativa, que se assemelha ao que há de melhor em estilo literário. A autora conduz o leitor ao ambiente da época. É como se a própria Ana Maria tivesse vivido os acontecimentos de então. O teor passional e trágico dos acontecimentos também permitiu à autora uma construção mais despojada. Algumas vezes até mesmo poética. “Chego a ver o tumulto da Rua Nova na tarde de 26 de julho”, diz.

A data foi aquela em que João Pessoa foi assassinado. Naquela época, a Rua Nova não enfrentava a decadência de hoje. E –  juntamente com a Imperatriz – eram as mais sofisticadas do centro do Recife. Na Nova, reuniam-se jornalistas, políticos, damas da sociedade, no final de tarde.Ana Maria revive aquela época. “Percebo a agonia de Augusto Caldas (preso injustamente com o cunhado João Dantas) na Casa de Detenção. Sinto o vento que dança nos cabelos de Ritinha (Rita de Cássia Dantas Villar, mãe do escritor Ariano Suassuna), no Porto do Recife, se despedindo de João Suassuna (que foi à capital, Rio de Janeiro, provar sua inocência, e lá foi morto)”, conta . “Ouço o martelar da máquina de escrever de João Dantas em Olinda, escrevendo mais um artigo contra João Pessoa. Acompanho a trajetória de desespero de Anayde Beiriz até o momento final. E então escrevo. Porque o que sou mesmo é escritora”, acrescenta.

Para os que não lembram Anayde era amante de João Dantas. Professora, era e tida como uma mulher de muita coragem e à frente do seu tempo, na forma de pensar, de vestir e de agir. O caso dela com João Dantas teria servido como estopim para a Revolução, porque o namorado matara Pessoa  também para vingar a humilhação de ter sua intimidade exposta. É que no dia 10 de julho de 1930, a polícia paraibana invadira o apartamento de João Dantas, de onde documentos e até diário foram retirados. Parte chegou a ser divulgada no jornal A União, enquanto outra circulava de mão em mão, no salões do Palácio do Governo. Dezesseis dias depois, João Dantas assassina Pessoa, no Recife. Na Paraíba, multidão começa a depredar residências e casas comerciais pertencentes a perrepistas. E em 4 de outubro, revolucionários tomam quartel.

Fascinada pela história, a escritora recifense ressalta a ancestralidade paraibana e sertaneja. “Meus pais eram fervorosos adeptos da Aliança Liberal. Quando eu tinha 12 anos, na Praça João Pessoa, meu pai narrou para mim a Revolução de 1930. Claro que não lembro nada do que ele disse, mas possivelmente aquela narrativa ficou no meu inconsciente como uma epopeia do nosso povo. Agora me sinto em paz. É como se tivesse cumprido um pacto, contar a história do ângulo dos nossos dois Estados”, destaca Ana Maria. No prefácio, a professora e escritora pernambucana Margarida Cantarelli, ocupante da cadeira 9 da Academia Pernambucana de Letras, diz que muito já se escreveu sobre a Revolução de 30, mas que a autora conseguiu ir além do que já foi produzido sobre o tema. “Ana conseguiu trazer fatos e interpretações novos ao que se supunha definitivamente esclarecido ou adormecido”, diz. “O subtítulo do livro – uma tragédia em 1930 – revela o que penso do assassinato dos três homens chamados João. Nessa trajetória, me irmanei com o drama dos personagens e, sobretudo, com o povo, em seu entusiasmo mais verdadeiro e em sua comoção mais aterradora”, ressalta a autora.

Fonte: Letícia Lins / #OxeRecife (20/10/2020)

Fotos: Divulgação/Cepe